Brasil

Lojas de produtos legais relacionados a maconha se espalham pelo Rio

'Head shops' vendem sedas e cachimbos, entre outros acessórios
Ítalo Rodrigues abriu loja Ganjah, na Lapa, há um ano e meio Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Ítalo Rodrigues abriu loja Ganjah, na Lapa, há um ano e meio Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO — Todos os dias às 16h20, o som de uma sirene ecoa pela Rua do Rezende, na Lapa, no Rio de Janeiro. O "ritual" acontece, religiosamente, há  um ano e seis meses, em homenagem à maconha e foi colocado em prática pela loja Ganjah, que comercializa produtos legais ligados à droga.

Embora a maconha seja proibida no país, o mercado relacionado a ela é pulsante e vem ganhando ainda mais terreno. Conhecidos como "head shops", os estabelecimentos vendem desde sedas a dichavadores, usados para triturar a droga, e estão se multiplicando.

No Rio,  lojas do tipo ficam lotadas seja no Centro, em Ipanema, Botafogo ou no Jardim Botânico. Os proprietários afimam que o movimento é constante e a chamada "cultura canábica", em alusão ao nome da planta Cannabis sativa, ganha cada vez mais adeptos.

Em um sobrado na Lapa, a loja Ganjah recebe cerca de 200 pessoas por dia, com movimentação mais intensa nos finais de semana. Além de vender produtos relacionados à maconha, os donos do estabelecimento promovem debates sobre a legalização e shows.

Bongs, cachimbos e outros produtos vendidos na head shop Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Bongs, cachimbos e outros produtos vendidos na head shop Foto: Leo Martins / Agência O Globo

— O crescente número de estabelecimentos desse tipo no mercado americano e a legalização da droga no Uruguai nos trouxeram essa ideia. Além disso, um dos sócios havia acado de voltar de Amsterdã quando pensamos em abrir. Ao invés de ser só uma tabacaria, resolvemos introduzir esse conceito de uma casa de convivência. Além dos produtos de tabacaria, temos muito mais coisas que abrangem a cultura canábica. De literatura a vestuário — explica Ítalo Rodrigues, sócio da Ganjah.

O preço dos produtos varia de R$1, como dichavadores, a R$2.000, no caso de alguns "bongs" (tubos usados para purificar a fumaça da droga). Mas, embora haja diversidade de acessórios para usuários de maconha,  um dos proprietários afirma que muitos outros produtos ficaram de fora por não serem legalizados no Brasil.

— Infelizmente ainda há muita coisa que ainda não pode ser vendida aqui. Há produtos que contribuiriam muito para redução de danos do uso e ainda não podem ser vendidos, como vaporizadores. A proibição é uma grande hipocrisia. Cada vez mais, está sendo mostrado que a cannabis é muito benéfica. Há propriedades que podem vir a beneficiar toda a população — critica Rodrigues.

Acessórios utilizados para triturar a droga Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Acessórios utilizados para triturar a droga Foto: Leo Martins / Agência O Globo

O sucesso do estabelecimento foi tanto que levou Cesar Leonez a querer abrir outra filial da loja em Botafogo. Inaugurado no início do mês, o espaço tem ficado lotado quase diariamente.

— Eu era cliente deles e todos os dias estava aqui. Comecei a ver o potencial do mercado. Hoje, há muita falta de informação e aqui, por meio dos debates e dos eventos, é possível obtê-la. A pessoa vem aqui e recebe informações sobre como reduzir danos para a saúde dele, assunto com o qual o estado não está se importando. Por esses motivos decidi abrir uma loja também — conta Leonez.

PIONEIRO NO RIO

Há onze anos no mercado, o fundador da loja La Cucaracha, em Ipanema, diz que quando abriu sua loja enfretava dificuldades para encontrar fornecedores no país, mas, atualmente, recebe inúmeros contatos de diversos comerciantes brasileiros interessados em vender para a loja. Ele afirma é a expansão do negócio é nítida e uma preparação para a legalização da maconha.

— Minha loja foi inaugurada em 2006, mas a partir de 2012 houve uma explosão de conteúdo sobre maconha. Na minha opinião, abrir estabelecimentos como esses é se preparar para o inevitável, porque a regulamentação da maconha é inevitável. Mais estados americanos estão regulamentando a droga. Nos países vizinhos, em toda América do Sul, há sinais de descriminalização — afirma Mathias Maxx, dono da La Cucaracha.

Loja La Cucaracha, em Ipanema Foto: Hudson Pontes / .
Loja La Cucaracha, em Ipanema Foto: Hudson Pontes / .

Ativista pela legalização da Cannabis, Maxx faz visitas frequentes ao Uruguai, onde grava um documentário sobre a regulamentação do mercado de maconha no país. Com o início da venda da droga em farmácias, que começou na última quarta-feira, ele e Daniel Paiva, que também é diretor do filme, já planejam nova ida para o país vizinho.

Ainda que considere inevitável a legalização da maconha no Brasil, Maxx considera que a conjuntura ficou mais complicada a partir da última eleição:

— Já tivemos um cenário bem mais favorável, mas agora com esse Congresso conservador a legalização não vai sair. Há uma proposta em julgamento no STF que também pode demorar anos para ser concluída. A violência é o impacto mais sensível desse proibicionismo e, como sempre, atinge os setores mais vulneráveis.

PRODUTOS PARA CULTIVO EM AMPLO MERCADO

Os acessórios relacionados especificamente ao consumo da droga não são os únicos a ganharem terreno no mercado brasileiro. Há empreendedores que se dedicam também ao cultivo da planta. O site de uma loja em Santa Catarina traz uma variedade enome de ferramentas para auxiliar no plantio não só da maconha, mas também de outras plantas.

A "Green Power Cultivo Indoor" oferece estufas, iluminação, aparelhos de ventilação e irrigação. Também é possível comprar fertilizantes e outras ferramentas para plantio. No caso das estufas, o preço varia de R$399 a R$3.500, de acordo com o tamanho e o tipo.

Criada em 2013, a loja defende a filosofia "Não compre, plante" e afirma em seu site que acredita na mudança de opinião "através da educação, abrindo caminho para novos conceitos."

SEM APOLOGIA OU INCENTIVO

Segundo o advogado André Barros, as decisões do Supremo Tribunal Federal de 2011 que liberaram as chamadas “Marchas da Maconha” também cobrem o funcionamento dos “head shops”, que não podem ser considerados estabelecimentos de apologia ou incentivo ao uso de drogas, assim como os produtos que vendem, desde que não contenham THC, a substância psicoativa da maconha.

— Na época da Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional 187 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4274, que legalizaram a Marcha da Maconha, houve debate sobre este assunto, com o ministro Celso de Mello chegando a levantar como ridículo considerar apologia uma camiseta com o Bob Marley ou um desenho de uma folha de maconha — lembra Barros, que ficou conhecido como “o advogado da Marcha da Maconha” e também é vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ. — O que não pode é vender plantas ou qualquer outra coisa que tenha THC. Mas não faz sentido insistir no debate sobre apologia depois das decisões do STF. Esta é uma questão superada. Tanto que muitos dos produtos nestas lojas são importados e passam por avaliação rigorosa tanto da Receita quanto da Polícia Federal.