Política

Projeto das drogas: relator desiste de cadastro de usuários e fichamento de alunos

Comunidades terapêuticas não mais poderão fazer internações involuntárias

BRASÍLIA — Em meio à saraivada de críticas de diferentes partidos e de setores do governo federal, o projeto de lei que amplia as internações involuntárias de dependentes de drogas deverá sofrer alterações, numa tentativa de garantir a votação da proposta no plenário da Câmara. O relator do projeto, deputado federal Givaldo Carimbão (PSB-AL), disse ao GLOBO que excluirá do texto final dois pontos entre os mais polêmicos e controversos, atacados em notas técnicas de três ministérios: a criação de um cadastro nacional de usuários de drogas e o fichamento de alunos — função que ficaria a cargo de professores e diretores — usuários ou sob suspeita de uso de substâncias ilícitas.

A chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, reuniu-se nesta quinta-feira por quase duas horas com Carimbão e com o autor do projeto, deputado Osmar Terra (PMDB-RS). Ela pediu mais prazo para discutir o projeto e fazer sugestões. O governo conseguiu ganhar tempo: reuniões interministeriais devem ser feitas na segunda-feira e na terça e, para o dia 25, uma nova reunião está agendada na Casa Civil com o autor e o relator. Até lá, o mais provável é que a proposta não entre na pauta de votação da Câmara.

Comunidades sem recursos da saúde

As mudanças admitidas por Carimbão se estendem aos pontos do projeto referentes às comunidades terapêuticas, entidades vinculadas à Igreja Católica e a igrejas evangélicas que acolhem dependentes de drogas. O relator afirma que ficará claro no texto não ser possível fazer internações involuntárias nessas comunidades.

Além disso, ele pretende restringir as possibilidades de financiamento às entidades. As casas de abrigo das igrejas, conforme a proposta original, passariam a contar com quatro fontes de financiamento: Sistema Único de Saúde (SUS), Sistema Único de Assistência Social (Suas), Fundo Nacional Antidrogas (Funad) e Fundo Nacional de Segurança Pública. O relator diz que excluirá as possibilidades de financiamento com recursos da Saúde e limitará ao Funad.

O GLOBO mostrou, na última terça-feira, que o Palácio do Planalto pressiona a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), vinculada ao Ministério da Justiça, a liberar R$ 130 milhões a comunidades terapêuticas. Em meio à pressão, a secretaria sofreu uma debandada. Na terça, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou o defensor público Vitore Maximiano como o novo titular da Senad e disse que a saída de servidores da secretaria não tem relação com o projeto.

— Existe uma epidemia de crack e o governo não tem uma rede preparada para acolhimento. Mas vamos tipificar no projeto que as comunidades terapêuticas não podem receber internações involuntárias. É o nosso acerto com o governo, os partidos e as associações das entidades — disse Carimbão.

Tempo de internação involuntária será menor

O relator afirma já ter decidido, também, diminuir o tempo máximo para uma internação involuntária, feita sem a necessidade de consentimento do usuário e com aval da família ou de um servidor público. Pelo projeto, o prazo máximo para desintoxicação é de 180 dias. Carimbão diz que ainda faz uma média das sugestões recebidas e que o novo prazo ficará entre 60 e 90 dias.

Técnicos do governo entendem que os recuos do relator melhoram a proposta, mas são insuficientes para que as alterações representem um avanço da lei. A opinião majoritária é de que o projeto continua com o foco central nas internações involuntárias, o que já foi criticado em notas técnicas do Ministério da Saúde, da Secretaria-Geral da Presidência e da Senad.

Nota da Senad critica também a ampliação da pena mínima para traficantes de drogas, de cinco para oito anos de prisão, e o aumento de multas e medidas educativas a usuários, como prevê o projeto de lei. O ministro da Justiça afirmou que a posição da pasta é a mesma contida na nota técnica. O documento sustenta que a aprovação do projeto levará a situações de “internação compulsória indiscriminada”.

O relator do projeto de lei diz não ter decidido se fará alteração na proposta referente à pena mínima para traficantes.

— Existe uma pressão para voltar atrás na pena mínima, mas ainda estou escutando as sugestões. O PSDB, por exemplo, sugeriu uma pena de seis anos — afirmou Carimbão.